PAULO DA ROCHA DIAS
O relato que segue tem o objetivo de contar o processo de construção do perfil biográfico de um homem que foi mestre e estudioso do mesmo jornalismo que praticou durante toda a vida: Carlos de Andrade Rizzini.
No cumprimento desse objetivo, o quebra-cabeças
que se nos pôs foi como proceder à elaboração de uma biografia. O segundo foi
onde colocar o protagonista da história no conjunto das várias investigações
que se vão realizando sobre o mesmo assunto ao longo da centena de anos
passados; Voltamo-nos para aqueles que cumpriram a mesma tarefa antes de nós.
O que enseja este trabalho é a comemoração dos
trinta anos da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação (Intercom) e os cinquenta anos da publicação da biografia de
Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, escrita por Carlos Rizzini.
Para a comemoração dos 30 anos, a Intercom vem
realizando seminários nas diversas instituições de ensino superior do país. A
Universidade de Taubaté (Unitau) utilizou a ocasião para realizar um seminário,
comemorando as duas datas. Carlos de Andrade Rizzini nasceu em Taubaté e,
depois de alentada pesquisa, publicou, em 1957, a biografia de Hipólito da
Costa, considerada pelos estudiosos do jornalismo como a biografia definitiva
do primeiro jornalista brasileiro e pai da imprensa política de língua
portuguesa.
O seminário realizado em Taubaté teve sua
intenção voltada para esta obra de Carlos Rizzini e, assim, seus organizadores
muito apropriadamente viram na obra de Rizzini a confluência entre jornalismo,
história e literatura, refletida no título que precede este trabalho.
O convite feito a mim deu-se por ter escrito,
depois de sete anos de pesquisa, a biografia de Carlos de Andrade Rizzini
(DIAS, 2004). Para este artigo, preferi traçar o caminho percorrido que deu na
obra acabada. Este caminho provou ser mais frutuoso àqueles que desejam
iniciar-se na pesquisa científica. É o que se poderá ver a seguir.
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A IMPORTÂNCIA DAS BIOGRAFIAS
Quem participa de comunidades científicas e
regularmente produz conhecimentos a partir de investigações verdadeiramente
científicas sabe que, depois de determinado período de pesquisa normal –
cumulativa –, a seleção sistemática de fenômenos que podem ser solucionados
através de técnicas conceituais e instrumentais semelhantes às já existentes
(KÜHN, 1982, p. 130), leva à inibição do desenvolvimento científico.
Essa inibição dá lugar a um sentimento
crescente de que as técnicas conceituais e instrumentais existentes e em uso
deixaram de funcionar e, consequentemente, de responder adequadamente aos
problemas postos na exploração de algum aspecto da natureza.
Esse sentimento de funcionamento defeituoso é,
inicialmente, restrito, como afirma Thomas Kuhn, a uma pequena subdivisão da
comunidade científica. E pode levar à crise. Assim, a comunidade dos cientistas
se divide em campos polarizados. Um deles procura defender a velha ordem
institucional, e o outro tenta estabelecer uma nova.
É no cerne dessa crise que entram as
biografias. Servem tanto aos conservadores quando aos inovadores. De acordo com
a observação de Pierre Bourdieu, os nomes ilustres do passado são postos em
cena, e cada grupo faz uso desses nomes para argumentar em favor de seu polo,
seja o mesmo de conservação ou de inovação.
A técnica utilizada nesse momento de crise é a
da persuasão, ou seja, a política da ciência. Cada grupo levanta seus heróis e
modelos mitológicos com uma força persuasiva tal que se chega muitas vezes a
compelir sua aceitação.
Não é preciso larga erudição para perceber que
a história da imprensa periódica brasileira vem sendo escrita também a partir
das biografias de seus heróis do passado. Raimundo Magalhães Júnior[1] (1958, p. 81), ao elaborar
suas lições de história da imprensa para o curso de jornalismo oferecido pela
Academia Brasileira de Letras em meados dos anos 1950, propôs este caminho para
o procedimento da pesquisa. O acadêmico cearense descobriu que se poderia
escrever a história da nossa imprensa “através da biografia dos grandes
jornalistas”.
Naquele curso da Academia Brasileira de Letras,
decidiu encaminhar suas aulas pela trilha das biografias, colocando sob o facho
de luz aqueles que, por causa do jornalismo, tornaram-se imortais nas cadeiras
da instituição fundada pelo cronista Machado de Assis. Descoberto o
procedimento, dos feitos de grandes vultos que atuaram nos jornais cariocas
durante o Segundo Reinado, foi Magalhães Júnior construindo a história de nossa
imprensa naquele período da vida nacional.
Neste caminho só entrariam “os homens da
imprensa cujas publicações tivessem realmente trazido contribuições de
excepcional importância ao progresso das ideias, ao aperfeiçoamento social, à
reforma das leis, dos costumes, das instituições políticas”. Se assim o for, o
ilustre jornalista cearense, sem o saber, estava a sugerir que se tomasse a
empreitada de perfilar o jornalista que foi Carlos de Andrade Rizzini, em cuja
obra aqueles predicativos e atributos se reúnem.
Foi Raimundo Magalhães Júnior (1958) autor de
vários perfis de jornalistas, que, no dizer de Danton Jobim, são autênticas
reportagens e “reportagens retrospectivas” que, via de regra, envolveram grande
esforço de investigação e se tornaram ao mesmo tempo reportagem, obra literária
e historiografia.
É no perfil de Francisco Otaviano de Almeida
Rosa que aprendemos do papel do jornalista de Segundo Reinado. Cioso da sua
profissão, Otaviano considera-se, como todos os seus contemporâneos, ungido
para uma missão civilizadora[2]. Sua radiografia do Brasil
é apresentada nos jornais em que o político liberal atuava: Sentinela da
Monarquia, Jornal do Commercio, Correio Mercantil, Diário
do Povo e A Reforma.
Quando desenha José Maria da Silva Paranhos, o
Visconde do Rio Branco, aprendemos dos sucessos da capital do império –
amenidades (faits divers) e acontecimentos sério – pois Paranhos
soube transformar o espaço que lhe era reservado em O Novo Tempo (destinado
ao folhetim semanal) e no Jornal do Commercio (onde publica as Cartas
do Amigo Ausente) em fonte de preciosas informações sobre o Brasil da
segunda metade do século XIX.
A fotografia de José de Alencar tem como
segundo plano não o romancista, mas o cronista social do Correio Mercantil
e do Diário do Rio de Janeiro. Numa cidade assolada pela febre amarela,
sem água potável e desprovida de esgotos, encarregava-se ele de noticiar e
apreciar a vida cultural, sobretudo as representações dramáticas e espetáculos
líricos que traziam um pouco de risos e amabilidade à existência nos trópicos.
Conhecedor da imprensa, acreditava-a destinada a dominar o mundo. Como que
antevendo as possibilidades tornadas reais com o advento da internet, dizia
“tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor, a pena governará o mundo,
como a espada de Napoleão de sua barraca de campanha. Uma palavra que cair do
bico da pena, daí a uma hora percorrerá o universo, por uma rede imensa de
caminhos de ferro e barcos a vapor, falando por milhões de bocas,
reproduzindo-se infinitamente, como folhas de sua grande árvore”. Troque-se a
hora por segundos, substituam-se os caminhos de ferro e barcos a vapor pelos backbones
de fibra óptica e os censores dos satélites e estamos na era do ciberespaço.
Nos mesmos Correio Mercantil e Diário
do Rio de Janeiro quem cuidava dos agudos e urgentes problemas nacionais do
momento era Aureliano Cândido Tavares Bastos. No dizer de Magalhães Júnior,
este foi “o mais vigoroso pensador político do período imperial”. Nas Cartas do
Solitário veiculadas nas edições do Correio Mercantil, combateu o regime
centralizador em favor de mais autonomia para as províncias, bradou contra a
escravidão, defendeu a imigração estrangeira, gente que seria aqui assentada em
terras públicas alienadas para esse fim e nelas vivendo em liberdade de culto. As
bandeiras de luta desse baixinho alagoano granjearam-lhe os ódios da imprensa
governista. Uma delas, conta-nos Magalhães Júnior (1958, p. 100), em
arrebatamento de fúria disparou em injúrias: “os escritos dessa diferencial de
criatura humana nada mais são do que a imagem ridícula de um sagui, domesticado
pela mais devassa meretriz das ruas de Maceió!” O fato é que o pequeno gigante
alagoano foi, no dizer de Costa Rego, o primeiro jornalista do Brasil, fundador
do jornalismo puro, isto é, independente dos partidos.
Cuida também Magalhães Júnior de Joaquim Maria
Serra Sobrinho, o “Ignotus” de O Paiz, provável autor de uma recensão
bibliográfica da imprensa Maranhense – Sessenta anos de Jornalismo -
1820-1880 – publicada no Rio de Janeiro em 1883 e outras figuras de
primeiro plano, como Machado de Assis (o cronista), José do Patrocínio e
Evaristo da Veiga.
Carlos de Andrade Rizzini também palmilhou este
caminho. Em seu livro de estreia – O livro, o jornal e a tipografia no
Brasil (1988) –, cuidou da biografia de todos os jornalistas fluminenses da
Independência. Naquela obra está o nome de José Anastácio Falcão, editor do Alfaiate
Constitucional. Depois de cumprir degredo em Angola, veio para o Rio de
Janeiro em 1821. Bateu-se pela constituição e se opôs ao Miguelismo. Depois de
andar pela França, morreu em lugar incerto. Está também Silva Lisboa, editor da
Sabatina familiar dos amigos do bem comum e da Heroicidade Brasileira.
Encontra-se também o perfil do desembargador Francisco de França Miranda,
escritor do Despertador Brasiliense e do Tamoio, jornais
decisivos para o “Fico”. Estão também os perfis do Cairu, de Antônio Manuel
Corrêa da Câmara, Luís Moitinho Lima Alves e Silva, dos andradistas José
Joaquim da Rocha e Pe. Belchior Pinheiro de Oliveira, de Zeferino Vitor de
Meireles, dos editores do Revérbero Constitucional Fluminense – Joaquim
Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa – a mais importante publicação nas
lides da independência. Além desses há perfis de nomes de grande envergadura no
incipiente jornalismo político das províncias brasileiras: Luís Augusto May, Cipriano
Barata, Frei Caneca, Miguel do Sacramento Lopes Gama e tantos outros.
Para ilustrarmos o mesmo fato fora do Brasil,
tomemos o exemplo dos Estados Unidos. Durante o século XIX, foram publicadas
nove biografias e sete memórias de jornalistas. As duas mais antigas são de
1855. Naquele ano, uma pesquisa realizada por James Parton sobre a vida de
Horace Greeley, editor do New York Tribune, foi dada ao público em forma
de livro. Esta obra foi novamente editada em 1970. Ainda naquele mesmo ano de
1855, Isaac Pray publicava um perfil biográfico de James Gordon Bennett, obra
que foi também reeditada em 1970.
De 1900 a 2004, foram publicados trezentos e
cinquenta e nove estudos biográficos de jornalistas ilustres e não tão ilustres
e mais cento e trinta e nove memórias de jornalistas e editores de jornais.
Na divulgação desses perfis biográficos, coube
um crescente e importante papel às editoras universitárias. Estas se encarregam
da publicação de cento e dezoito biografias. Papel não menos importante coube
às Historical Societies e Historical Reviews nacionais e
estaduais. O papel desempenhado inicialmente por essas organizações e suas
respectivas publicações foi, com a consolidação dos centros de pesquisa em
comunicação, substituído pelas revistas científicas dedicadas ao jornalismo.
Dentre os biografados, o maior número de
trabalhos (onza) coube à vida e obra jornalística de Willian Randolph Hearst.
Sua primeira biografia foi escrita por Don C. Seitz e publicada em 1928. Oito
trabalhos foram dedicados à trajetória intelectual de Henry Louis Mencken[3]. O primeiro, publicado em
1941, e o último, em 1966. Em seguida, aparecem duas antológicas figuras do
jornalismo norte-americano: Charles A. Dana[4] e Joseph Pulitzer. De 1895
a 1993, foram publicadas sete biografias de Charles Dana. Também à vida e obra
de Joseph Pulitzer, considerado por Rizzini “o plasmador da imprensa moderna”,
foram dedicadas sete biografias entre 1941 e 2001. Entre os anos de 1895 e
1995, os historiadores do jornalismo norte-americano escreveram seis biografias
de Horace Greeley[5].
A lista dos mais proeminentes termina com James Gordon Bennet[6].
Desde os estudos pioneiros vão aparecendo,
dentro e fora dos circuitos acadêmicos, biografias de nomes ilustres do nosso
jornalismo. O que muito se tem feito é escrever a história da nossa imprensa
através da biografia dos grandes jornalistas (MARQUES DE MELO, 1985, p. 28). As
biografias continuam sendo produzidas e constituem, ao mesmo tempo, uma
preciosa maneira de relatar os resultados das investigações e um rentável filão
editorial. A petite histoire, a história vivida, sempre gera mais
curiosidade que a história imaginada. Os nomes do passado, através de suas
biografias, constituem-se em paradigmas vivos para os pesquisadores do presente
e do futuro.
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A FASE PREPARATÓRIA
Nós, o que fizemos foi um perfil
biobibliográfico de um grande jornalista cuja vida, além de verdadeira história
de interesse humano, plena de realizações e de vibrações dramáticas, foi em
grande parte dedicada à prática, à pesquisa e ao ensino de jornalismo.
Auferindo da banca de imprensa o seu sustento, Rizzini foi também professor e,
o que mais nos interessa, pesquisador dos fenômenos da comunicação.
O trabalho que fizemos é de natureza acadêmica.
E, no dizer de Max Weber (2003), o pesquisador acadêmico é alguém que, “tendo
terminado os estudos superiores, decide tomar como carreira, como vocação, a
pesquisa científica em ambiente universitário”. Para a realização de uma
pesquisa que não pretenda ter vida efêmera, quem se propõe a tal serviço deve
ser munido de forma natural, como se fosse uma virtude, dos predicados de
aptidão, entusiasmo e inspiração. Ajunte-se a estas aptidões a disposição ao
trabalho. A pesquisa científica verdadeira requer muito esforço.
A recompensa não será muito alta pois, como
veremos, as condições externas são quase sempre desfavoráveis ao empreendimento.
O prazer maior é o da descoberta que se vai realizando ao longo das buscas e
investigações.
Escrever a história através da biografia é,
entre os vários planos, talvez o mais aconselhável. Entretanto, nenhum outro
caminho seria mais difícil de ser realizado nem mais perigoso que a biografia.
Magalhães Júnior (1958, p. 81) comenta:
Estabelecer a prioridade de certas
ideias surpreender-lhes a fonte inicial, fixar o momento em que nasceram ainda
imprecisas e a hora em que se consolidaram incendiando a imaginação coletiva e
transformando-se em artigos de fé é tarefa gigantesca que exige do pesquisador
não apenas paciência, argúcia e segurança do julgamento, mas ainda uma ampla
cultura capaz de, com os dados esparsos, fundir as sínteses históricas e chegar
a generalizações felizes e interpretações exatas.
A tarefa sempre parte de um objeto. Os
iniciantes na pesquisa acadêmica frequentemente encontram dificuldade na
elaboração de bons projetos. Acreditam serem os mesmos uma perda de tempo e
insistem na busca através do erro e do acerto, sem estabelecer claramente o
objeto a ser investigado, o problema que se quer resolver, as hipóteses que
guiarão a busca, o paradigma teórico que orientará a busca, os objetivos que
com ela se quer alcançar e os instrumentos teóricos e técnicos que serão
utilizados ao longo da busca.
Feito o projeto e estabelecidas as metas a
serem alcançadas e o modo de chegar até elas, é preciso familiarizar-se com a
natureza presente e passada do objeto. É o momento das exaustivas leituras.
Para quem trabalha com jornalismo e se põe a
escrever uma biografia, são leituras imprescindíveis os livros reportagens que
tratam de perfis biográficos. Esta seara é grande. A leitura de investigadores
nacionais e estrangeiros que tomaram esta tarefa antes de nós será
imprescindível, sobretudo para apreendermos a técnica da pesquisa e da
narrativa. Fernando Morais, Ruy Castro, Mário Sérgio Conti, Gabriel Garcia
Márquez, Gay Talese, Ernest Hemingway, Truman Capote, Alan Riding são, entre
tantos outros, nomes imprescindíveis para a familiarização com a arte de
escrever biografias, cuja produção envolve o manejo hábil de conhecimentos
jornalísticos, literários e históricos.
Entram também no rol das leituras preparatórias
as obras de natureza reflexiva sobre livros-reportagens e técnicas da
narrativa. Nesta lista, devem estar os nomes de Walter Benjamin, Edvaldo
Pereira Lima, Ligia Chiappini, Renata Palotini, Ecléa Bosi e tantos outros.
Terminadas as leituras, o investigador embrenha-se no exame direto das fontes.
Sejam estas fontes documentos escritos ou depoimentos testemunhais.
Inicialmente, pensamos em utilizar como fontes
para esta pesquisa os depoimentos de pessoas que ainda estão vivas e que
conheceram, conviveram ou trabalharam com Carlos Rizzini. Entusiasmo e influência
efêmera da leitura de Memória e sociedade: lembranças dos velhos de
Ecléa Bosi (1994), e de Radio Pio XII, uma mina de coraje, de José
Ignácio López Vigil (1984).
Fizemos várias entrevistas com parentes e
amigos e as utilizamos no trabalho. Não há dúvida quanto à utilidade das
mesmas. Não permanecemos, porém, em nosso propósito inicial. As informações,
embora preciosas, eram plenas de omissões intencionais e lacunas do tipo “se
não me falha a memória”. Havia por parte dos entrevistados, como acontece em
toda entrevista, uma tremenda disposição em narrar, até aos detalhes, os
grandes feitos, as vitórias e sucessos. Frequentemente, em documentos escritos,
encontrávamos informações aparentemente fidedignas que se colocavam em aberta
contradição e contraste com as informações orais. Dada a frequência dessas
lacunas e omissões, resolvemos nos apoiar majoritariamente nos documentos
escritos.
As fontes escritas eram numerosas e
absorventes. Rizzini deixou nos jornais e nos livros um imenso volume de
escritos. A diversidade temática e a vastidão quantitativa da obra jornalística
e dos livros e, principalmente, a reconstituição da atmosfera do tempo em que
foram escritas solicitaram grandemente a nossa atenção, a ponto de, em várias
ocasiões, acreditarmos não seria possível enveredar por esse caminho.
Frequentemente, tínhamos de viver o tempo de Rizzini, desenterrando personagens
sobre quem falou em seus curtos e nervosos “artiguetes” para, assim,
percebermos a dimensão e o alcance de seus escritos. A persistência e o esforço
venceram as tentações de desanimo.
O primeiro percalço foi a reunião da
documentação. Muitas portas se abriam, mas muitas se fechavam também. Sem
persistência e muito esforço, o desanimo pode abater qualquer empreendimento. É
o preço do bilhete de entrada que todo pesquisador iniciante tem de pagar.
Depois de inúmeras viagens à Biblioteca
Nacional, à Associação Brasileira de Imprensa, à Universidade Federal Fluminense,
à Fundação Assis Chateaubriand – Brasília, ao Arquivo Público do Estado de São
Paulo e à Biblioteca Municipal Mario de Andrade, conseguimos reunir todas as
publicações jornalísticas de Carlos Rizzini.
As hemerotecas foram as principais fontes de
documentos para esta pesquisa. Passamos meses a fio no Arquivo Público do
Estado de São Paulo, na “Mario de Andrade”, nas Bibliotecas da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal, e da Fundação Assis Chateaubriand, no setor de
periódicos e de obras raras da Biblioteca Nacional, na Biblioteca da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro e no setor hemerográfico da Biblioteca Municipal
de Petrópolis. Nessas hemerotecas, fomos colhendo documentos e informações de
valor histórico primeiramente de autoria de Carlos Rizzini, depois sobre Carlos
Rizzini e, por fim, informações mais gerais de valor histórico para o estudo da
comunicação.
São indescritíveis o prazer e a felicidade da
descoberta e da reunião de documentos. Na Biblioteca Nacional, à nossa frente
se levantavam muralhas de microfilmes de publicações as mais variadas, contendo
o retrato do momento, construído a olho nu, desarmado de qualquer outro
instrumento de registro da realidade que não o testemunho. Não era a história,
mas enquanto relatos de fatos, eram os tijolos, o aço e o concreto sem os quais
o historiador jamais construiria o relato e a interpretação do passado.
Nas hemerotecas e nos arquivos, encontramos
jornais antigos – a maioria em péssimo estado de conservação – editados nos
mais variados tamanhos em diversas qualidades de papel, todos secos, podres,
estalando entre os dedos na passagem das páginas, destruindo-se e com eles o
registro de fatos preciosos do passado nacional. No passar das páginas, via-se
o passar dos anos. Anteontem, uma página poluída, uma diagramação pobre e uma
impressa apagada, suja desalinhada e empoeirada. Ontem uma página mais nítida,
um ou outro clichê, o trabalho da linotipo substituindo o trabalho paciente do
tipógrafo catando os tipos na caixa, organizando-os no componedor,
transferindo-os para a rama, formando a chapa para dali levá-la à impressora
manual. Hoje, o jornal das rotativas e de outros métodos mais modernos de
impressão.
Aquelas páginas amarelas, carregadas de pó, ao
mesmo tempo em que nos transportavam para o hic et nunc de sua feitura,
traziam para o presente a procissão dos dias daquele tempo. Assistimos, no
desfile dos dias, à cavalgada de nomes de jornalistas e outras figuras ilustres
do pensamento e da cultura brasileira. Vez por outra deparávamo-nos com um
“Carlos Rizzini”. Era hora de parar a passagem de páginas, tomar o gravador e
registrar pausadamente a matéria.
Frequentemente uma informação levava à outra.
Hoje, se aprendia que Rizzini estudou no Colégio dos Jesuítas e não apenas no
Pedro II como queriam informadores orais. Amanhã, alguém comentava de passagem
um projeto de livro ainda nos anos 30. Depois, tomava-se ciência de que além de
diretor dos Associados era acionista de muitas daquelas empresas. E assim, como
os galos tecem a manhã, foi se tecendo o emaranhado de informações e documentos
que, devidamente organizados e analisados, culminaram na biografia de Carlos
Rizzini.
Feito isto, estávamos prontos para encetar o
exame, não de uma amostra, mas da totalidade de que se compunha o universo do
nosso objeto de pesquisa. É sempre mais seguro, embora mais árduo, trabalhar
com o censo que com a amostra.
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O TRABALHO REDACIONAL
No decorrer das investigações, os dados,
definitivamente, iam surgindo. Mas estavam dispersos ao longo dos anos e na
imensidão do material a ser pesquisado. Surgiam da leitura e exame dos
documentos primários a ponto de termos perdido a conta das reedições que foram
necessárias para cada capítulo.
De grande valor para a trajetória de vida,
foram as reminiscências. Às vezes apareciam em artigos, outras vezes em frases
perdidas em outros contextos e, ainda outras vezes, como ilustração para
assuntos da atualidade. Eram dados preciosos que reconstituíam gravetos de
passado tidos de pouca importância e, voados para longe do tronco, acabaram
desaparecendo na bulha da vida. Na reunião deles, pudemos reconstruir o quadro
mais amplo da existência de Rizzini. De cavacos miúdos, foram se tornando
informações de grande valor, reincorporando o tronco de onde desgarraram.
Lidar com dados não é que seja a mais difícil
das tarefas. Assim que identificados, podem facilmente ser colocados no lugar
que lhes cabe na ordem cronológica dos acontecimentos. Delicado e difícil mesmo
foi estabelecer as fontes iniciais e o contexto imediato de certas ideias e de
certas campanhas. Éramos frequentemente arremetidos a leituras paralelas no afã
de reconstituir o momento da história, sem o qual as ideias e as pessoas
ficariam totalmente desprovidas de significado. Somente depois da
reconstituição podíamos colocá-las em perspectiva e compreender-lhes a posição
no conjunto do pensamento comunicacional de Carlos Rizzini.
As duas obras principais de Rizzini – O
livro, o jornal e a tipografia no Brasil e Hipólito da Costa e o Correio
Braziliense – que em 2007 completam, respectivamente, sessenta e cinquenta
anos de publicação, tornaram-se imprescindíveis para o nosso empreendimento
investigativo. É o Carlos Rizzini historiador, jornalista e escritor de
biografias que modelou o trabalho que fizemos. Sua biografia de Hipólito da
Costa é o mais clássico e perfeito exemplo da ajuda mútua que necessariamente
se estabelece entre o jornalismo, a história e a literatura. Segui-lhe os
passos ao escrever sua biografia. Sem conhecimento da história, sem a
capacidade narrativa que vem do bom jornalismo e sem a beleza da literatura
nenhuma obra biográfica pode ser considerada de valor.
O que fizemos aqui com Calos de Andrade Rizzini
foi um pouco do que ele mesmo fez com o Hipólito. Procuramos o homem com tudo
que ele tinha de humano e, para melhor compreendê-lo, fomos adicionando os
atributos e ocupações: o homem-jornalista, o homem-professor, o homem-político,
o homem-estudioso, o homem-administrador, o homem-inovador tecnológico. Só
assim podíamos ter o retrato ampliado, quase completo.
A redação é praticamente a última fase do
trabalho. Há inúmeras obras que pretendem nos ensinar a escrever. Estas obras
são necessárias, mas o que mais nos ensina a escrever é a prática diária. Ninguém
nasce escritor. Além da aptidão no sentido de habilidade e capacidade
resultante de conhecimentos adquiridos, é preciso muita prática, além da
capacidade de raciocinar de forma lógica.
Não adianta também saber escrever se não há o
que escrever. Antes de encetar a escrita, é preciso ter um domínio completo
daquilo sobre o que se vai escrever. Ideias obscuras e compreensão precária
sempre resultam em texto medíocre. Este fenômeno se repete vezes sem contar com
os textos acadêmicos. Os leitores os julgam obscuros e a falsa obscuridade
passa a ser sinônimo de culto ao escritor. Na verdade, a obscuridade é
resultado do pouco domínio do conteúdo que se quer transportar para o papel.
Assim, a leitura dos documentos deve
necessariamente ser uma leitura trabalhada. Um exercício exaustivo que deve
levar à compreensão completa do conteúdo do documento e do emprego que se quer
fazer da informação ali contida. Da mesma forma que ideias obscuras se
transformam em texto medíocre, ideias claras se transformam em texto claro,
compreensível, agradável de ler e fácil de ser compreendido.
Esta lição vem dos filósofos gregos. A leitura
filosófica tem a pecha de ser difícil. Na verdade, os filósofos gregos foram
grandes pedagogos. Eram capazes de tomar como objeto de reflexão os aspectos
mais complicados da vida e da natureza e dá-los a conhecer passo a passo e na
forma a mais simples possível. O domínio de um fenômeno leva necessariamente à
explicação fácil dele. Não existe uma língua ou texto chamado academês. Existe
verborragia sem sentido. Todo texto academês é, sem dúvida, resultado de
pesquisa medíocre e exame descurado das fontes utilizadas.
A busca do domínio das fontes utilizadas sempre
nos leva à interrupção do trabalho. Com humildade, vamos reconhecendo a nossa
ignorância, e se faz necessária a interrupção do trabalho para uma pesquisa
paralela. É aí que os conhecimentos da história entram em cena. Tivemos de para
inúmeras vezes para tomar conhecimento histórico da vida nacional no período da
Primeira República, da Era Vargas, do período pré-Ditadura Militar e dos anos
de autoritarismo. A vida e a obra de Carlos Rizzini só tomavam sentido pleno à
partir da perspectiva histórica.
A cada descoberta nova, a cada aprendizado
novo, uma volta ao texto era necessária. De sorte que houve capítulos que
passaram por nada menos que quarenta edições para correções de erros,
acréscimos de dados e colocação de ideias em perspectiva.
Mesmo com domínio sintático e lexical da língua
pátria, erros gramaticais acabam sendo inevitáveis. Daí a tarefa atenciosa da
revisão do texto em busca de correções linguísticas. Nesta altura do trabalho,
mais que em qualquer outro momento, a ajuda dos outros é imprescindível. Devido
às repetidas leituras do texto, os erros passam a não ser mais vistos. Somente
alguém alheio, completamente alheio ao que estamos fazendo, poderá perceber os
erros e as estranhezas sintáticas e semânticas.
Obra pronta, prazer redobrado. Renovamo-nos com
o que aprendemos com estas empreitadas. A satisfação é incontida.
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A CRÍTICA INTERSUBJETIVA
Uma das características do trabalho científico
é a submissão à crítica intersubjetiva. O conhecimento científico é seguro, mas
não é infalível. Inúmeros fatores contribuem para a falibilidade do mesmo. O referencial
teórico, hipóteses inadequadas, as técnicas de exame das fontes e a própria
subjetividade e precipitação de quem o está executando levam a conclusões
impróprias. Daí a necessidade da revisão crítica.
Quem nos ajuda nesse momento são aqueles que,
antes de nós, tomaram o mesmo caminho e já viajaram bastante. São eles que
submetem à prova o nosso trabalho concluído por meio de uma crítica severa e
sistemática.
Geralmente, o primeiro leitor é quem orientou o
trabalho. São eles os primeiros a nos dirigir as críticas necessárias e nos
incitam à criatividade na busca permanente da compreensão mais ampla do objeto
de estudo.
Depois do orientador, os membros da banca
avaliadora exercem o mesmo papel. Não estão ali apenas para dar uma nota, mas
para oferecer maior segurança e confiabilidade nos resultados da investigação e
maior consistência nos limites da validade dos mesmos. Todas as críticas
levantadas durante a apreciação pública do trabalho devem ser incluídas nos
mesmos para publicação futura.
Tendo sido aprovado, o trabalho deve ser
divulgado em congressos, pois toda pesquisa tem aspecto e validade social. É
preciso que outros, lidando com os mesmos problemas, possam usufruir daquilo
que produzimos. A divulgação em congressos é também momento da crítica
intersubjetiva. Como vimos na primeira parte deste artigo, os membros de um
campo do saber estão em constante luta uns com os outros. O eventual
reconhecimento de nosso esforço investigativo pelos nossos pares é um
certificado a mais de que nosso trabalho tem validade e resistiu a todo tipo de
crítica.
A leitura feita por colegas da mesma área é
também de grande ajuda da mesma forma que a leitura feita por amigos. A
compreensão de alguém alheio ao campo é sempre uma confirmação de que fomos
claros naquilo que fizemos.
Depois de ter passado por esses crivos, o
resultado final de nosso trabalho não está ainda pronto para publicação e
divulgação. O texto precisa ser refeito, ser transformado em linguagem de
muitos para muitos. É nisto que consiste a divulgação científica. Algo que fora
feito de poucos para poucos visando atingir inicialmente aqueles envolvidos no
mesmo campo de saber, deve ser traduzido num segundo momento em linguagem de
poucos para muitos e, ao ser publicado na forma de livro, atender às
peculiaridades do mercado editorial.
Neste último momento, o interesse é a
divulgação coletiva. Quando mais leitores nosso trabalho encontrar, melhor será
seu efeito na sociedade. Assim, são oportunas todas as brechas que encontramos
nos meios de comunicação, nas universidades e nas conversas pessoas.
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CONCLUSÃO
Não obstante o papel que desempenhou na
imprensa brasileira e o valor histórico e cultural da obra jornalística e
intelectual de Carlos de Andrade Rizzini, houve apenas uma tentativa em escrever
a sua biografia. O prof. Antonio Fernando Costella que o havia conhecido em
meados dos anos 1950 e que com ele conviveu até os últimos dias de sua vida foi
quem mais se interessou da empreitada. E por duas razões: uma afetiva e outra
profissional. Foi chefe de gabinete de Carlos Rizzini quando ele era Secretário
da Educação e Cultura do Municipio de São Paulo e, mais tarde, o Prof. Costella
veio a ser professor de História da Imprensa na Faculdade de Jornalismo Cásper
Líbero, cadeira antes ocupada por Freitas Nobre e Carlos Rizzini.
As comemorações do centenário do nascimento de
Rizzini em novembro de 1998 reacenderam a velha intenção do amigo e admirador:
“Só agora começo a resgatar meu débito e tenho a sensação de cumprir, enfim, um
acerto de contas. Antes tarde do que o nunca” (1998, p. 11). Mas a biografia
não saiu. Veio a público, em vez, um livro póstumo de Rizzini sobre a liberdade
de imprensa. O que Rizzini não pôde fazer, fez por ele o velho amigo.
A obra de Carlos Rizzini tornou-se
imprescindível para os estudiosos da história da imprensa brasileira. O prof.
Luiz Beltrão, em sua Introdução à Filosofia do Jornalismo (1960),
praticamente depende da obra de Rizzini para construir os capítulos referentes
à origem, evolução e caracteres do jornalismo. Ora corroborando suas ideias e
descobertas, ora delas discordando, - sobretudo no que se refere à relação
entre jornalismo e história - mas sempre a ele se referindo.
O mesmo sucede com Nelson Werneck Sodré e sua História
da imprensa no Brasil (1966). A ele recorre Werneck Sodré para a
reconstituição da história da introdução da tipografia primeiramente no Brasil
e depois nas províncias. A ele recorre também para a história do jornalismo da
independência. Ignora-o quando se refere a Hipólito da Costa, preferindo o
pensamento de seu correligionário político, Fernando Segismundo (1955).
Cita-o também largamente Juarez Bahia (1967) na
reconstituição da atuação de Hipólito da Costa no Correio Braziliense e nos
parágrafos que dedica à história da tipografia na Ásia, bem como ao jornalismo
brasileiro até 1822.
José Marques de Melo (1970; 1972) utiliza-se da
obra de Rizzini ao estudar a sociologia da imprensa brasileira, tema de sua
tese de doutorado, observando a tendência do mesmo em minimizar o efeito da
imprensa no oriente, além dos dados sobre a produção inicial da Imprensa Régia.
Na atualidade, Rizzini continua sendo citado.
Na década de 1980, seus livros aparecem como fonte consultada em O livro no
Brasil: sua história, publicado em 1982 pelo brazilianist Laurence
Hallewell.
Continuou sendo utilizado também durante os
anos 1990. Bernardo Kucinski (1991) vale-se de informações contidas na obra de
Rizzini, ao reconstituir a história da imprensa alternativa brasileira, que
aparece publicada na forma de livro sob o título Jornalistas e
revolucionários. Mais recentemente, a ele recorre também Isabel Lustosa
(2000) em Insultos impressos, um estudo sobre a guerra editorial travada
entre os jornalistas imediatamente antes, durante e depois da independência.
Um fato estranho é que Rizzini é praticamente
ignorado pelos “chateaubrianistas”. David Nasser (1961, p. 17), ao descrever a
redação de O Jornal e do Diário da Noite (do Rio de Janeiro),
instalada no segundo piso do número 12 da Rua Rodrigo Silva, relembra que
Carlos
Eiras e Victor do Espírito Santo eram os chefes, os secretários. Átila de
Carvalho, o subsecretário. Um homem ranzinza, mas bom. Na chefia dos assuntos
policiais, o Newton do Espírito Santo. Bezerra de Freitas escrevia os
Editoriais, Arnon de Melo, Peregrino Júnior, Hugo Gouthier, Victor Nunes Leal,
Emil Farhat, Geraldo de Freitas, Sabóia Lima eram os expoentes.
Relembra também Nasser o então diretor-gerente
dos Diários Associados, Dario Almeida Magalhães, “um dos homens mais frios que
conheci em minha vida”, a quem imputa o atraso brutal dos salários. Carlos
Rizzini sucedeu Dario de Almeida na direção da “taba” e pode ser a ele que
Nasser se refere ao comentar que “quando outro gerente assumiu o comando das
finanças, os ordenados foram postos em dia e o material humano passou a valer
mais”. Mas o fato é que Rizzini não é explicitamente mencionado em nenhuma das
329 páginas de David Nasser.
O nome de Carlos Rizzini aparece nas memórias
de Samuel Wainer (1988) e na obra de Fernando Morais (1994), mas apenas em
situações insólitas e desabonadoras. Os dois jornalistas mencionam episódios
que, tirados do contexto em que ocorreram, podem levar o leitor incauto a
deduzir erroneamente que Rizzini era uma espécie de “testa de ferro” ou “bobo
da corte” manipulado por Chateaubriand para executar suas quixotescas
molecagens e trapalhadas mais que para timonear a cadeia associada.
Samuel Wainer (1988, p. 116, 117) relembra
Rizzini apenas quando, em 21 de abril de 1950, Chateaubriand resolveu
pregar-lhe uma peça, nomeando-o “embaixador dos Diários Associados junto ao
principado de Itu”. Chegado o dia da nomeação e convocado Samuel Wainer,
Chateaubriand ordenou a Rizzini, seu assessor imediato: “traga o pergaminho de
nosso embaixador”. Wainer relembra: “Rizzini voltou com o pergaminho, em letras
góticas, que me nomeava embaixador plenipotenciário junto ao principado de Itu,
com direito de mandar reportagens e outras especificações igualmente
ridículas”. Em vez de Chateaubriand assinar o pergaminho, o mesmo fora assinado
por Rizzini. Naturalmente, Wainer não aceitou a brincadeira. Ao sair da sala,
Rizzini o alcançou e disse: “você fez a maior loucura, vai perder o emprego”.
Fernando Morais (1994) só se lembra de Rizzini
duas vezes. Ambas tremendamente desabonadoras. A primeira referência que faz ao
diretor geral dos Diários Associados é para envolvê-lo no episódio criminoso do
seqüestro de Teresa, filha de Chateaubriand com a dançarina Argentina Corita
(p. 387). Chateaubriand havia seqüestrado a filha Teresa em um sítio de
Jacarepaguá onda estava escondida na companhia da mãe. Depois do seqüestro em
meio a grande tiroteio, Chateaubriand voa com a menina para São Paulo. Ao tomar
o carro que o esperava no aeroporto, ordena ao motorista: “toca para a casa dos
Rizzini”. Mas, com medo de deixar a filha passar a noite na casa do Rizzini no
bairro do Pacaembu e ser, mais tarde, procurada por Bockel (amante de Corita),
decide que Teresa vá para a casa da empregada dos Rizzini, em um bairro
afastado da cidade.
Cita-o outra vez também em uma situação
tremendamente cômica. Rizzini, segundo Morais (1994, p. 651), foi encarregado
de dar os três golpes de peixeira no ombro de Carlos Lacerda quando este foi
condecorado – em 1964 – por Chateaubriand como Cavaleiro da Ordem do Jagunço.
Um outro ‘chateaubrianista”, Jacques Wainberg
(1997), em seu estudo comparado sobre os Diários e Emissoras Associadas e a
Hearst Corporation, sequer menciona Rizzini na bibliografia consultada.
Mencioná-lo seria uma questão de justiça e honestidade intelectual, pois faz
uso de seus escritos e sequer reconhece a fonte. Por exemplo, as informações
contidas nas páginas 56 e 115 foram extraídas diretamente do prefácio escrito
por Rizzini para a pequena biografia de Assis Chateaubriand escrita por Mario
Barata (1970).
Mais recentemente, no volume XXX da nova edição
do Correio Braziliense, Wainberg (2002, p. 408) faz questão de valer-se de um
texto de 1946 publicado no livro de estréia de Rizzini para imputar-lhe o erro
da afirmativa de que Hipólito havia se tornado cidadão inglês. Rizzini teria
inferido tal asserto pela leitura da Narrativa. O professor gaúcho cita
literalmente o texto de Rizzini - “positivamente não era nada fácil tapar a
boca a um inglês na Inglaterra”, mesmo sabendo caber a ele o mérito da resposta
definitiva a esta questão em obra posterior. Wainberg conhece a biografia de
Hipólito escrita por Rizzini. Talvez utilize uma fonte mais antiga e titubeante
por ter certeza que “o uso que os vivos fazem dos mortos é o que define, afinal
de contas, as singularidades”. Contra ele suas próprias palavras: “tal arranjo
é uma obra construída com intenção, um cálculo premeditado” (WAINBERG, 2002, p.
404).
Dos “chateaubrianistas”, apenas João Calmon
cita-o com a devida sinceridade em Minhas bandeiras de luta (1999),
Calmon recebeu de Rizzini suas primeiras ‘lições de autoridade” nos Diários
Associados. E veio depois a substituí-lo na direção nacional da “taba”. Seu
apreço por quem o guiara pelas mãos nos primeiros passos “Associados” ficou
registrado na cerimônia do sepultamento de Rizzini e nas páginas de sua
autobiografia.
Na História da Faculdade de Comunicação
Social Cásper Líbero, escrita apressada e superficialmente pelo professor
Erasmo de Freitas Nuzzi (1997), por ocasião do cinquentenário daquela que foi a
primeira escola de jornalismo do Brasil, a Rizzini é reservado apenas um espaço
para seu nome completo em uma lista de diretores. A valiosa transformação
operada por Rizzini nos rumos do ensino de jornalismo na Faculdade de
Comunicação Social Cásper Líbero quando lá ensinou e quando foi diretor daquela
instituição ficou no completo esquecimento.
A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo tem
publicado uma edição facsimilar do Correio Braziliense. O volume XXX
desta publicação, saída do prelo em 2002, estampa uma série de estudos sobre
Hipólito da Costa. Neste volume, Isabel Lustosa, Antonio Costella, Sergio Góes
de Paula, Patrícia Souza Lima, José Tengarrinha, Paulo Roberto de Almeida, João
Pedro Rosa Ferreira, Jacques Wainberg, Alberto Dines, Lúcia Maria Bastos P.
Neves e tantos outros utilizam vastamente a obra de Rizzini.
Embora venha sendo lembrado e consultado
através do tempo, o fato é que mais de cem anos havia passado e a biografia de
Rizzini estava ainda por fazer. Enfrentamos a tarefa. Concluímos o trabalho. E
muito me contenta ouvir do professor Costella que o que fizemos é obra
definitiva.
COMO CITAR: DIAS, Paulo da Rocha. Biografia, gênero híbrido: encontros entre jornalismo, história e literatura. In: ASSIS, Francisco de; CARNIELLO, Monica Franchi (Orgs.). Comunicação, história e literatura: propostas interdisciplinares. Rio de Janeiro: Oficina de Livros, 2008. p. 23-45.
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[1] Danton Jobim comenta
que Raimundo Magalhães Júnior deslizou do jornalismo para a historiografia sem
maior esforço. Exerceu ambos os ofícios – o de jornalista e o de historiador –
com proficiência e seriedade. Boa parte de sua obra é, no dizer de Danton
Jobim, autêntica reportagem. Outra parte, “reportagens retrospectivas”. O
jornalista às vezes atrapalharia o historiador: “Todo o esforço de investigação
honesta [do historiador Magalhães Jr.] pode ser prejudicado, às vezes, pela
preocupação do novo, do original, do “inusitado”, como se diz horrivelmente por
aí, o que é próprio da abordagem ou approach do repórter” (JOBIM, 1992, p.
188).
[2] No dizer de Francisco
Otaviano de Almeida Rosa, o “jornalista merece mais alguma coisa do que esse
desdém, do que esse olhar protetor, essa afetação de pouco caso, com que o
pretendem tratar aqueles que muitas vezes lhe devem tudo o que são. Enquanto o
sistema representativo não for substituído por outro, o jornalismo será a força
diretora da sociedade, será a verdadeira espada de que se hão de servir os
conquistadores de altas posições” (MAGALHÃES JÚNIOR, 1958, p. 84).
[3] Nascido em Baltimore
no ano de 1880, começou, com dezenove anos de idade, a escrever para vários
jornais locais de Massachussets, passando depois pelo Baltimore Herald e
Baltimore Sun antes de fundar o seu próprio jornal, The American Mercury,
consagrando-se nacionalmente como comentarista crítico da sociedade
norte-americana.
[4] Charles A. Dana
(1819-1899) consagrou-se como repórter durante a guerra civil americana. Depois
de trabalhar em vários jornais, tornou-se, em 1868, proprietário e editor do
The Sun. Transformou o popular diário novaiorquino em arauto do Partido
Democrata. Enquanto editor, Dana é considerado pioneiro na modernização dos
jornais norte-americanos e na criação de um novo jornalismo que procurava
enfatizar o “interesse humano”. Em 1895, publicou The Art of Newspaper Making,
obra vastamente consultada naquele tempo.
[5] Foi no New York
Tribune, de Horace Greeley, que Charles Dana deu início à sua carreira como
editor de jornais. O jornal de Greeley era o mais famoso jornal abolicionista
da época. Nascido em 1811, de modesta família rural do estado de New England,
apenas com escolarização primária, abriu caminho na vida. Em 1834, fundou o New
Yorker, revista literária semanal em circulação até os dias de hoje. Em
abril de 1841, lança o New York Tribune, órgão de divulgação que lhe
assegurou poder e proeminência nacional.
[6] James Gordon Benne,
editor do Herald, é tido por Rizzini como o precursor da chamada imprensa
amarela. A partir de 1835, o editor Bennet passou a infundir em seu jornal
vida, rútila eloquência, gusto, sentimento, inteligência e humor.
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